A vida humana é marcada pela repetição. Dormimos e acordamos todos os dias, o sol nasce e se põe diariamente desde os tempos mais antigos, a noite se apresenta e a chuva cai, os dias se vão quase que sempre da mesma maneira. Comemos sempre da mesma comida, vamos aos mesmos mercados, compramos as mesmas coisas, calçamos as mesmas meias. Usamos os mesmos sapatos, caminhamos nas mesmas calçadas e repetimos, repetimos, repetimos. Sob esse aspecto, não há nada de novo debaixo do sol. A vida, caro leitor, é mais do mesmo.
E não há homem que não tenha experimentado o peso da angústia de viver assim. Qual é o sentido de repetir as mesmas coisas todos os dias? Onde é que tudo isso vai parar? A vida cotidiana é uma lenta dança que se repete até o dia da nossa morte. Vida sem graça, vida sem sabor, vida sem cor.
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Não é diferente quando o assunto é compulsão. O que é uma adição sexual senão uma eterna repetição? O que é o vício em pornografia senão um ritual bem demarcado e repetitivo que marcha na expectativa de um gozo? Para exemplificar, vou contar-lhes a história de Oscar:
“Procedo quase sempre da mesma maneira. Uma vez que decido cair, faço um plano. Primeiro separo o dinheiro que vou precisar (cheguei a roubar para esse fim); Também decido em qual casa vou buscar as prostitutas, visto que posso escolher dentre tantos lugares na cidade. Escolho um deles e vejo como chegar lá;
Depois peço permissão mentindo (ao meu chefe, se estou no trabalho, aos meus pais se estou em casa); desse modo posso sair com uma boa desculpa sem que me perguntem, mais tarde, onde é que eu estava; Essas desculpas podem ser diversas, de acordo com quem eu tenha que enganar: ou que tenho que ir ao médico, ou que algum amigo me pediu que lhe ajudasse com algo, ou que tenho que sair para jogar futebol, etc.
Manejo essas mentiras de tal modo que parecem verdades, e tomo o cuidado de sempre variar para que ninguém suspeite, sobretudo quando faço isso muito seguidamente. A continuação, invariavelmente, é sair caminhando para buscar minha “presa”. Isso leva muito tempo. Sou exigente e sempre busco algo que realmente me atraia, por isso dou voltas e voltas pelas zonas da cidade.
Mesmo que outras mulheres estejam dando voltas, eu sei bem quais são prostitutas e quais não são; com o tempo adquiri uma espécie de olfato para isso. De algumas não se pode duvidar porque se vestem e atuam como prostitutas, mas é fácil perceber que existem outras que também se prostituem, mas que não são provocativas. Parecem mulheres normais, mas são de ofício.
Caminho muito, olho muito, imagino coisas, faço cálculos. Às vezes me pego olhando alguma de longe, e dissimuladamente, para aumentar meu desejo começo a me masturbar. Uma vez que estou decidido, converso com uma delas. Isso às vezes me consome muito tempo e cada vez mais me demoro mais para fazer todo esse processo. Posso ficar horas caminhando e fazendo isso. Quando já estou com ela, faço o que tenho de fazer e me vou.”
Assim como Oscar, todo viciado tem o seu próprio ritual. No limite, essa dança é mera repetição em busca do grande quê da vida. O ritual que se repete parece ordenar magicamente o caos de uma vida sem abertura, sem transcendência, sem perspectiva. O ritual é sim essa dança da morte, cujos passos dados, os sons ouvidos, as cerimônias feitas, o ritmo empregado e os instrumentos musicais usados possuem um propósito final: transportar o adicto para um outro mundo, de modo que ele escape dos limites da insuportável repetição da sua própria vida real.
Patrick Carnes, no famoso Out of Shadows, diz que alguns adictos deliberadamente discutem com as suas esposas (brigas, reclamações, intrigas), para que isso lhes proporcione a desculpa perfeita para ver pornografia. Outros pedem que suas mulheres façam barbaridades na cama, mas eles mesmos já sabem que elas não vão aceitar e por isso se masturbam, ou procuram prostitutas, pois assim se sentem plenamente justificados, de modo neurótico, visto que não encontram em seus cônjuges uma resposta para suas “verdadeiras necessidades”. Frequentemente, o adicto não é plenamente consciente de todos esses movimentos.
Isso nos leva a crer que todo viciado espera acabar com aquela vida que é mera repetição. O adicto espera, na verdade, a felicidade, espera um arrebatamento dessa vida. Do orgasmo o viciado espera algo que objetivamente foge da realidade: um êxtase infinito – físico, psíquico, espiritual.
A grande questão é que nessa vida, caro leitor, a felicidade só se apresenta para aqueles que conseguem romper com o ciclo eterno da repetição material. Todo ritual dessa terra é por definição um círculo eterno de sofrimento. Quem busca compulsivamente o prazer sexual quer, no limite, que o gozo espiritual (felicidade, paz, segurança, plenitude) acompanhe seu clímax físico e o prolongue ad aeternum.
A sexualidade doente, portanto, não pode acalentar o coração humano. O gozo do adicto é mero delírio e não acerta o alvo: decepciona as expetativas. Somente o amor sincero pode inaugurar para ele um novo ciclo de repetições que, esse sim, é o verdadeiro gozo eterno. Somente o amor verdadeiro pode ser novidade o tempo todo e é somente aqui que algum ritual faz sentido.
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